22/02/2022

 Será que ainda sei balançar as palavras? Será que ainda consigo criar novos caminhos? Os caminhos têm sido estreitos e as palavras só, por vezes, espreitam. Fazem-me falta as palavras silenciosas e sem pensar. Gostaria de ter tempo para as palavras e que elas estivessem mais presentes. Mas são apenas rabiscos, retirados da vida.

18/03/2020

Esta pandemia medrosa

Ai o medo a tomar conta de nós, o medo a empurrar-nos talvez na direção certa, talvez na direção errada. Não sabemos, não temos tempo para saber, o medo comanda... ou o medo ou a economia e o sol espreita. E os céticos aceitam mas riem, os descrentes tentam relembrar a ladaínha perdida no murmúrio dos dias, os medrosos finalmente enchem o peito para dizer, eu sabia que aí vinha, já tinha avisado e os outros, aqueles que não consigo definir, que já foram descrentes crentes, céticos aceitadores ou medrosos escondidos, esses continuam sem tempo para se colocarem à janela da vida e perceberem o que se está a passar. 


De repente, de um dia para o outro, disseram-lhes, amanhã muda tudo, ficam as crianças em casa e mudamos a forma de viver. Mas espera...espera.. isto não era apenas uma brincadeira? Isto não era apenas uma gripe? As crianças não infetavam ninguém, estávamos todos seguros nas palavras. Mas de repente as palavras ganharam outros contornos para além da realidade virtual, de repente começaram a soar a verdade. 




Abram as janelas, deixam o ar correr pela casa, oiçam os pássaros lá fora, deixem o ar correr pela casa, senão sufoco! Deixem de pensar que têm isto sob controle, que sabem o que estão a fazer e como vai ser. Não sabemos, simplesmente não sabemos. Foi criado artificialmente ou genuinamente, foi gerido por questões económicas; foi fantasiado para nos aterrorizar? Já não me interessa! Só quero que abram as janelas e deixem o ar correr, deixem-no circular pela casa, baralhar-lhes as folhas do papel e jogá-las no chão como na ventania crioula, que há 20 anos lhe baralhou a vida!

Abram as portas, as janelas, corram à varanda e acreditem que é possível. Deixem de me obrigar a, numa época que deveria de ser de quietude, ter de continuar a correr, ter de ser tudo o que já era e ainda mais, no mesmo número de horas. Percebam que não é possível mudar de um dia para o outro, percebam que temos de ir a pouco e pouco e não me assustem com tanta notícia... porque eu até sou medrosa mas também sou mãe, e as mães são todas muito corajosas. Não?

Ena, voltei à escrita e ao alívio de poder estar aqui, sozinha com as palavras perdidas. 

24/02/2011

Há momentos assim...

Há momentos assim...

em que apenas o silêncio gritado faz sentido!

Ou há momentos em que se vive para fora e já nada há para dizer em locais virtuais... mas não me apetece desligar estes locais virtuais, ficam assim em banho-maria, a meio gás, até um dia. Até um dia voltar a ter a vontade, o tempo, a necessidade de gritar as palavras em silêncio, por agora não!

Mas ver um texto assim a escrever ainda me faz fervilhar os dedos, faz-me desejar ter que contar, ter tempo e ter aquilo que já tive, e que não sei o que é... Fico à espera!


19/01/2008

Dizem-me para escrever

E eu penso, o quê? E depois reparo que aquilo que para mim já não é novidade, que faz parte do dia a dia, é novidade para os outros, para os meus tugas! Será este o sinal de que estou a adaptar-me? Ou é apenas um fenómeno do ser humano que se habitua rapidamente ao que é novo?

Já não me espanta vê-los por aí à chuva de bicla, com os moços encapotados num casaco e no assento traseiro, embora ainda me espante o facto de eu própria já pegar na bicicleta para ir às compras, de mochila às costas! :) O que ainda só aconteceu uma vez, mas já é uma grande evolução... o carro ficou parado à porta de casa e lá fui de bicicleta! A viagem correu bem, só não coloquei o cadeado como deveria, pormenores de aprendiz, claro! O que vale é que ninguém se interessa por bicicletas pequenas!

Já não me faz diferença não beber o expresso matinal e este ter sido substituído por uma caneca cheia de água escura com sabor a café; já como a sandes ao almoço e o estomâgo considera normal; janto às sete da tarde e se for mais cedo, nem se nota a diferença; já conheço os pratos típicos (embora deixe a tarefa de os cozinhar para o loiro) e gosto daquilo a que sabem; só continuo a reclamar a ausência de peixe, de bom peixe!

Já conduzo por aí com a mesma segurança que conduzo em terras lusas (ou seja, as bicicletas passaram a ser secundárias e quando se atravessam à minha frente, passam se eu deixar! Às vezes não é bem assim, mas enfim); já oiço a radio cá do sítio, o que ajuda a desenvolver expressões que nada dizem mas que são importantes para a conversa diária; já vou às compras sozinha e consigo desenrascar-me em holandês (ou susanês!!! e quando vejo a cara das balconistas a mudar de figura, salto imediatamente para o inglês, pois já me bastam as confusões que não posso evitar); vou de comboio para Amesterdão e compreendo a sinalética....

Ou seja, ao fim destes quase cinco meses existem progressos, mas a frustração ainda não me abandonou, o sentimento de que estou com um pé aqui e outro acolá ainda está presente, a contradição de sentimentos deixou de ser uma constante mas há mais pequena coisa, aparece! E um certo cansaço de ter voltado a ser estrangeira e de ter de compreender e aceitar o que me rodeia... (e eu que sempre achei que tinha feitio para ser estrangeira!)

Às vezes, viajo para longe, para a pátria de crescimento, Cabo Verde. Não é preciso muito para me transportar para lá, o rufar ocasional de uns tambores, este não sei quê que nunca mais me abandonou, e lá estou eu de volta a casa... Sempre pensei que esta adaptação fosse facilitada pela experiência anterior, mas não! Lida-se melhor com as saudades, sabemos que são temporárias e que fazem parte de tudo, sabemos que os nossos estão connosco o tempo todo; sabemos que o regresso à casa mãe há-de acontecer mais dia menos dia, mesmo que seja só de férias. No entanto, descobri nesta vivência holandesa uma frustração há muito esquecida, esta necessidade constante de provar a mim e aos outros de que sou capaz, sou capaz de aprender a língua, sou capaz de me adaptar aos costumes, sou até capaz de esquecer que por alma sou professora e que agora sou apenas dona-de-casa em adaptação e aprendizagem... É esta frustração que me faz desejar voltar ao canto seguro (onde tudo está mais que adquirido, acho eu), é esta frustração (que acompanhada do céu cinzento) não me deixa manter a boa disposição que redescobri em terras lusas... É com esta frustração que tenho de aprender, nem eu sei bem como...

E a ver se em breve coloco aqui qualquer coisa sobre a aventura de alugar uma casa nestas terras... se calhar é amanhã que temos sorte...

Ah, já agora, Portugal voltou a ser notícia. É verdade! E em anúncio televisivo na hora nobre. Não, não é porque é altura de decidir as férias, é porque andamos a maltratar macacos e aqui lançou-se um pedido de ajuda, para os conseguir recuperar e tratar em Espanha!

07/12/2007

Lissabona en Mugabe......

Aqui longe de casa, gostaria de ouvir o nome da terra nomeado por outras razões que não estas, que me deixam irritada e irritada! A minha ignorância não me permite perceber o porquê de não receber um líder espiritual, que ainda não matou ninguém, e o de forçar a presença de um assassino numa conferência internacional!

A minha crença no Pai Natal faz-me desejar que isto seja apenas uma estratégia para retirar o senhor do país e permitir que algo mude...

Mas isso nao vai acontecer e assim ouvirei por estes dias falar de Lissabona e de Mugabe, numa conjugaçao que, a mim, me parece pouco digna! Ao menos sirva tanto alvoroço para que se mostrem imagens daquilo que se passa realmente no Zimbabué e para que se fale do país...

Para que essa comunidade, que se diz internacional e muito preocupada, algo faça!

Porém sei que isso seria pedir demais, seria pedir que se esquecesse os interesses económicos, os diamantes, o tabaco e tudo o resto. Seria pedir que se lembrasse que em 1949, a 10 de Dezembro (se não me falham os números), se assinou um Tratado dos mais importantes e dos menos respeitados, a Declaraçao UNIVERSAL dos Direitos Humanos, a tal que diz que somos todos iguais e que todos temos os mesmos direitos! Sim, sim, sim... enquanto eu escrevo numa casa quentinha, usando uma das últimas tecnologias para expressar a minha raiva, outros morrem, outros são espancados, outros são abatidos, outros são torturados, outros são esquecidos!

E essa declaração serve apenas para que alguns se lembrem e façam anúncios multicoloridos e para que outros se esqueçam e convivam bestialmente com os bestiais que matam, torturam e matam, torturam e matam, torturam e matam, torturam e matam, torturam e matam, torturam e matam.........

04/11/2007

Eles já se foram embora

e eu fiquei triste, meio perdida de novo no aeroporto! O mesmo sentimento de há dois meses e pouco atrás! Impotencia, tristeza, vontade de ir com eles, vontade que eles aqui ficassem, vontade que estes dias se prolongassem, para que eu volte a estar menos só!

Eu sei que nao estou sozinha nesta aventura, se assim fosse, já teria feito as malas e tinha voltado para casa... pois para casa, porque a casa, por muito que custe a admitir, ainda não é aqui! Ou talvez seja e eu apenas resista à ideia, pelo medo de ser assim o resto da vida, incompleta, com aqueles que sao meus longe de mim, com aqueles que me conhecem com um olhar apenas, longe... Aquele peso, a dor de perda, de estar incompleta voltou e eu sabia que seria assim... Mas há que olhar para tudo de uma forma positiva, foi melhor te-los aqui por quatro dias do que não os ter! E foi tão bom poder rir, poder mostrar-lhes a minha cidade, poder descansar e falar portugues...

Fez precisamente este fim de semana quatro anos que esta aventura começou, esta aventura de ter e deixar de ter, de aeroportos, lágrimas, olás e adeus! Só que até há dois meses atrás era diferente, era eu que voava ou ele que voava, era a ele que eu perdia ou ele que me perdia, agora sao os outros que voam ou nós que voamos! Talvez seja melhor, não, é melhor assim mas não é por isso que aceito melhor esta situaçao!

Enfim, a culpa é toda minha, fui eu (ou melhor nós) que há quatro anos começamos isto! Mas é tao estranho, se entao me tivessem dito a partir de agora tudo sera diferente, ou qualquer dia mudas de pais (outra vez) e voltas a ter de começar uma vida, acho que nao acreditava! Afinal aquilo tinha sido só um fim de semana na Dinamarca, em que conheci um holandes, nao seria de esperar que este fosse o rumo, mas foi! Felizmente (e infelizmente porque nunca mais hei-de estar completa, bem sei que nunca se o é, mas nunca terei aquilo que a maioria tem, os amigos, a familia ao pé de mim, a uma distancia de algumas horas de carro ou mesmo minutos! É um preço alto, às vezes, demasiado alto, demasiado doloroso!)

Mas estes dias foram óptimos, voltei a Amesterdão como turista mas entendendo melhor a língua, voltei a ter companhia para as lojas (gajas!), voltei a percorrer um bocadinho deste país como se não lhe pertencesse mas ao mesmo tempo sabendo por onde ando. Depois de Amesterdao na quinta e na sexta, no sábado fomos até Zans Schans, um local (mais um) para turistas, para se ficar a saber como se fazem as socas de madeira (de Klompen) ou o queijo (de Kaas) ou como trabalham os moinhos (que dantes serviam para drenar a água) ou como era o primeiro supermercado Albert Heijn (que agora está espalhado por toda a Holanda) ou como são as típicas casas verdes holandesas! E depois seguimos viagem para o Aflijsdijk (acho que está mal escrito mas um erro não retira a imponencia da obra feita pelos holandeses (e que faz jus ao famoso ditado, Deus fez a terra e os holandeses a Holanda)), é uma auto-estrada que liga duas pontas da Holanda, com 35 kms, sustendada em betão e pedras, que formou um lago artificial de um dos lados e acalmou as ondas do Mar do Norte! Em seguida parámos para jantar em Leeuwarden, uma pequena cidade, calma e muito simpatica, a recordar o frio que aí vem!

E agora lá voltaram os meus tugas para o calor, enquanto eu fico aqui com os cachecóis, as camisolas de lã e os casacos, e esta língua diferente que me faz suspirar e que é realmente um desafio, pois não tem apenas uma construçao sintáctica diferente, tem sons terriveis, que não sei quando serei capaz de os imitar! Amanhã volto a ser aluna, uma aluna pouco aplicada, pois não estudei nada este fim de semana! Amanhã volto a estar sozinha com os meus botões e o meu gajo holandes, amanha volto a rotina que me soube tao bem quebrar e que agora me deixa um travo amargo recomeçar!!! Os postais, os emails, os chats, os telefonemas são bons e fazem-me bem mas não há nada como a presença daqueles de quem gostamos muito e que gostam de nós!

Fazem-me tanta falta, gente!
(isto amanha passa)

06/10/2007

Agualusa, Cesariny e os outros lá fora

Há mais ou menos duas semanas o Agualusa entrou pela porta holandesa... (Quem me dera!) Não, foi mesmo o último livro dele, As mulheres de meu pai, que me chegou às mãos, como noutros tempos, via correio! Larguei tudo o resto que andava a debicar e devorei as muitas páginas, cheias da minha África! Não descansei enquanto não o terminei e cada página lida era um encontro com a minha áfrica literária, com os tempos outros, em que me sonhava que aquele seria o meu país. Horas a ler em que voltei a vislumbrar Lueji de Pepetela (agora com o nome de Laurentina...), em que me encontrei sozinha com um livro, com um espaço e com um autor (que decidiu partilhar connosco, meros leitores, como se pode transformar o real em literário). Obrigada, amiga, não apaziguei o que trago em mim, mas descansei por breves instantes!

Dias depois, chegou o Cesariny... um documentário extraordinário para o DocLisboa, que nos traz um Cesariny vivo para sempre, irrequieto, lúcido e pouco conveniente, um Cesariny que se deu na totalidade à entrevista, como se aquele fosse o seu último legado! E eu que admiro a sua poesia, fiquei a admirar o homem, que sem máscaras, se apresentou. Obrigada amiga!

Hum... depois chegou outro, que ainda ando a tentar perceber se gosto ou não, às vezes apetece-me falar com a autora para lhe perguntar se ela pensa mesmo que pode ensinar alguém a escrever com o que diz... mas como ainda ando a tentar perceber o que ela quer, não faço mais comentários! Mas, Mirita, obrigada, está a ser uma luta, o que é bom!

E depois há os outros lá fora... os do curso... que vem de todos os lados: México, Moldávia, Turquia, Peru, Bulgária, Espanha, Itália, Japão, Grécia, Alemanha, Irão, Portugal e Holanda, tudo na mesma sala, tres horas por dia, tres dias por semana... Estranho? Não, é mesmo assim aqui! E isso é o que eu gosto mais, em vez de ir ao mercado ver a miscelanea de cores na bancada dos vegetais, vou para o curso, ver a miscelanea de gente! Mas hoje também foi dia de mercado aqui no Winkelcentrum (centro de lojas ou shopping center). E um mercado é sempre um mercado, não interessa onde estamos, acho eu! Mudam talvez alguns hábitos mas de resto... aqui não há o ciganito a vender a roupa do chines ou outra de contrafacção, lá isso é verdade, mas há holandeses a vender roupa fabricada na China e afins, há holandeses a vender botas e sapatos, há turcos a vender quinquilharias e os mais diversos tipos de comidas! E em vez do pão com chouriço ou da boa da bifana no pão, há peixe frito ou arenque crú no pão com cebola ou camrão (parecido com o nosso do rio) também no pão, claro! Só tive pena de não haver stroppwaffel acabinha de fazer... E confirma-se, os holandeses gostam mesmo de gomas! Havia uma banca (digamos, assim para o grande) com gomas de todos os tipos, das salgadas às doces, e não vi crianças a comprá-las, só mesmos adultos!